A camaleoa

Nota da Autora

Vou fazer um copilado de diversos contos que escrevi para diversos concursos literários que ou nunca venci ou nunca tive coragem de me inscrever. 

Espero que gostem!

--------------------------------------------------------------Boa leitura!

               Eu não conseguia a reconhecer com facilidade. Era uma mutante. Uma coisa a ser levada a um laboratório e ser estudada. Talvez, tenha sido exatamente isso que me chamou a atenção. Pois, um dia, ela estava com os cabelos presos, no outro, solto, o resto da semana intercalando um coque com uma trança desleixada. Um dia, eu a via de saia longa, no outro usando legging de academia. De vez em quando, usava a jeans mais justa do mundo. No outro uma calça tão larga que cabia três delas. Às vezes, vinha sem maquiagem nenhuma, só para no dia seguinte vir tão maquiada quanto uma gueixa. Isso me fascinava. Gostava de ver como ela mudava. As vestes seguiam o seu humor, a maquiagem, o seu espírito. Era inspirador. Você não conseguia se cansar. Porque parecia divertido tentar entender os motivos de cada vestimenta ou porque hoje usava um batom marrom e amanhã apenas um gloss. Uma verdadeira camaleoa.

               Queria me aproximar, apresentar-me e dizer: muito prazer. Mas, eu só a via de longe, fascinado com a forma que ela conseguia se expressar pela aparência. Minha mente já imaginava que nos dias que usava amarelo, aquela mulher estava pulando de alegria. O sorriso estampado na face não me deixava enganar. Mas, quando ela usava cinza, estava murcha, sem vida, precisando de um abraço. Pegávamos o mesmo ônibus todas as manhãs. Comecei a perceber que eu ficava ansioso. Esperando ela entrar pela porta. Rezando que pudesse sentar ao meu lado. Mas, todo dia, aquela mulher, parava em pé, pegando um livro e lendo até o seu ponto. Descia antes de mim. Queria ter coragem. Coragem para não apenas observar de longe. Ter coragem para falar pessoalmente. Mas, só me imaginava como um lunático. O que eu poderia lhe dizer? “Moça, você é a garota mais camaleoa e interessante que já vi. Eu lhe observo todo santo dia, querendo entender porque usa regata no frio ou porque usa moletom no verão?”. Porém, só me encolhia com medo e não fazia absolutamente nada, só esperando a manhã seguinte.

               Comecei a apostar comigo mesmo. Se ela entrar com vestido vermelho, vou na academia hoje. Se ela vier de tênis, vou comer frango no almoço. Porém, se ela estiver de chinelo, vou comer carne. Aquela mulher começou a dominar a minha mente, ser o meu incentivo nas segundas-feiras chuvosas e depressivas. Era o meu gás da manhã, o que me impulsionava a ir trabalhar. Começou a dominar a minha mente. Pensava nela quase todo o dia. Era insano. Fiquei me questionando se eu era algum tipo de doente. Quantas pessoas enlouquecem por alguém? Havia sido cético boa parte da vida. Não podia ser que eu havia me apaixonado por uma pessoa que nunca eu havia ouvido a voz. Porém, quando ela entrou usando um vestido lilás e sandálias combinando, pensei: estou apaixonado por essa mulher.

               “Rapte-me, camaleoa. Adapte-me a uma cama boa. Capte-me uma mensagem à toa. De um quasar pulsando lôa. Interestelar canoa. Leitos perfeitos. Seus peitos direitos. Me olham assim. Fino menino me inclino. Pro lado do sim...” a música de Caetano ia tocando em meus ouvidos. Sabia que a música havia sido criada para Regina Casé. Mas, em meus ouvidos, eu só conseguia imaginar a minha musa camaleoa me levando embora para um mundo só dela. Um mundo que eu totalmente desconhecia. Mas, que tanto queria ter o prazer de ir visitar. Mas, o silêncio se fazia. Sentia-me tímido. Como se nunca havia tocado em alguém, quando na verdade, havia sido o contrário. Uma pessoa capaz de me envergonhar só de me olhar. Era isso que me deixava intrigado. Conhecendo apenas as suas vestes, não conhecendo a sua voz, desconhecendo a sua vida completamente. Como eu podia me sentir desse modo? Era tão estranho sentir que uma parte de mim pertencia a quem não fazia ideia da minha existência.

               Até que um dia, ela não veio. Esperei. Não veio por uma semana seguida inteira. Depois duas. Entristeci. Cheguei, num momento de loucura, a descer do ônibus no ponto que ela entrava. Vasculhei a vizinhança. Caminhei por vários quarteirões, imaginando se alguma daquelas casas, ela estaria dentro. Queria tocar todas as campainhas. Esperando a encontrar. Porém, não tive a sorte de trombar com essa garota. E nos próximos dias, fiquei na ansiedade. Se ela aparecer novamente, vou falar com ela, prometi-me. Nada. Mais uma semana e só havia o vazio. Outras pessoas entrando e nada de quem eu realmente queria. Senti-me sozinho como há tempos não me sentia. Senti-me tão tolo como um adolescente que flagra a namoradinha, que nunca foi namorada de verdade, interessada em outro. Foi como um golpe certeiro no meu peito. A ausência dela foi quase uma traição na minha mente.

               Mais alguns dias passaram e nada. E eu só pensando que se ela entrasse pela porta do ônibus, deixaria a timidez e a falta de coragem de lado. Iria me aproximar com o meu melhor sorriso e dizer ao menos um oi. Precisava disso. Até sonhei. Estava no ônibus sozinho. Quando alguém entrou. Mas, não era a mulher. Era um camaleão. Caminhando com as suas quatro patinhas pelo ônibus, colocando a sua imensa língua para fora. Até que chegava bem próximo e se transformava naquela mulher. Finalmente, ela sentava ao meu lado. Sem falar nada, segurava as minhas mãos. Olhava-me com os seus olhos misteriosos e me beijava a boca. Obviamente acordei, suado, coração a mil... Imaginando beijar uma boca de alguém que nunca nem toquei. Senti-me atrevido. Como nunca havia me sentido antes. Por pensar como uma criança apaixonada na infância. Senti-me envergonhado por sonhar como um adolescente que não se expressar na frente da menina mais popular da escola.

               Já havia passado um mês desde a última vez que havia a visto. Já estava sem esperanças. Queria ainda apostar comigo: se ela entrar, vou falar com... Ela entrou. Meu coração disparou. Veio até a minha boca e depois voltou ao seu lugar. Eu vi uma senhora e ofereci o meu lugar. Era apenas uma desculpa para eu me levantar e conseguir me aproximar dela. Queria correr e abraçá-la. Segurei-me. Não havia como eu chegar próximo e dizer alguma coisa. Então, fiz a coisa mais patética que alguém na minha idade pode fazer para chamar a atenção de alguém:

               - Aline, Aline, é você? – questionei. A camaleoa me olhou sem entender. Fingi que ela era alguém que eu conhecia. Sentindo as minhas mãos suando de tanto nervosismo. Olhei para as vestes dela: um vestido preto e sapatos vermelhos. Não consegui definir o seu estado de humor.

               - Pensei que havia lhe visto há um mês atrás, nesse mesmo ônibus. Mas, então, você sumiu. Aline, como está? – como ela não havia falado nada, pensei em continuar com a minha farsa.

               - Como sabe o meu nome? – a camaleoa disse com uma voz espantada.

               Gelei.

               Então, ela riu. Uma risada estrondosa que fez todo mundo no ônibus nos encarar. – Estou brincando. Acho que você me confundiu com alguém. Eu estava de férias, por isso, não apareci esses dias.

               Estava de férias. Patético é uma boa palavra para descrever como eu me sentia nesse exato momento.

               - Desculpe – foi tudo o que eu consegui dizer. Um momento de silêncio constrangedor se fez entre nós. Não sabia mais o que dizer. Não sabia mais o que fazer. Eu queria ter o poder de cavar um buraco e me enfiar dentro dele.

               - Sabe, eu acho que já te vi outras vezes nesse ônibus. – ela me disse.

               - Viu?

               - Sim, você sempre está me observando. – ela piscou. Eu me senti estranho. Não sei como descrever a sensação.

               O ponto dela chegou. Porém, antes de sair, aquela mulher vasculhou na bolsa por alguma coisa. Já havia ficado tão sem graça, que não consegui juntar forças para saber o que justificar. Agora eu me sentia mais lunático e maluco do que nunca havia me sentido em toda a minha vida. Ela tirou uma caneta, puxou a minha mão e escreveu alguma coisa. Deu sinal.

               - Nos vemos amanhã. – Despediu-se dando as costas para mim e saindo.

               Olhei para a minha palma e lá haviam nove números. Um telefone. Sorri, sentindo um imenso alívio. Uma alegria sem fim. Naquele momento, mal sabia que as roupas não eram a única forma daquela garota ser uma camaleoa. O seu humor vencia qualquer vestimenta.

              

 

              

 


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